Generosidade tropical: A doença é nossa, o dinheiro é vosso – Kavita Chilala

Opinião

Naquela charmosa manhã suíça de vinte de maio de dois mil e vinte e cinco, onde os Alpes brilhavam de saúde e os relógios mais pontuais que as ambulâncias em Angola, surgiu ele, o simples convidado que se tornaria o dono da festa, o nosso Estadista, o kota João Manuel Gonçalves Lourenço, a brilhar no palco internacional da septuagésima oitava Assembleia da Organização Mundial da Saúde como se tivesse acabado de sair de um spa-presidencial, e com a pompa de quem nunca viu uma maca sem colchão, lançou ao mundo uma dádiva digna dos deuses: Oito milhões de dólares norte-americanos para a Organização Mundial da Saúde – (OMS).

 

Sim, repito, são mesmo oito milhões, não de kwanzas, atenção, que esses já não compram nem paracetamol para abastecer as farmácias públicas, são de Dó-la-res, com “D-maiúsculo”, como o da, Dívida, claro, a pública, que por acaso, anda ali às voltas aos mais de 100% do PIB. Mas quem somos nós, simples mortais intestinais, para questionar tamanha benevolência?

Enquanto isso, Genebra e o mundo aplaudia, e Angola, tossia.

Porque, veja bem, por cá, na Banda, o sistema de saúde é um prodígio de inovação: hospitais onde a penicilina é uma lenda urbana, unidades hospitalares com mais cartazes, ou paredes bonitas renovadas, do que medicamentos e médicos suficientes, ah, as salas de espera que, na verdade, passaram para salas de desespero.

Temos um reality show sanitário ao vivo, com o surto de cólera como protagonista principal desde sete de Janeiro deste ano, e uma média diária de oito a nove mortes que se vão somando como pontos num jogo que ninguém quer vencer.

Mas lá estava ele, o nosso Kota, de microfone na mão e olhar confiante, anunciando que Angola avança a passos largos na saúde. Claro que sim, largos como as distâncias entre os postos de atendimento e falta de medicamentos para o atendimento à boa saúde ao pacato cidadão. Um progresso tão visível que só se vê com telescópio Ango-suíço.

Ironias do destino, enquanto em Luanda, Bengo, Icolo e Bengo, só para citar, distribuem-se enterros, naquelas bandas de Genebra distribuem-se sorrisos diplomáticos por notas verdes de cabeça grande. É a velha arte do “faz de conta”: fazemos de conta que está tudo bem, eles fazem de conta, que acreditam, e todos fingimos que o problema da saúde é apenas uma questão de comunicação ou de falta de antenas da TPA, nas zonas mais críticas ou recônditas da nossa Angola por dentro.

Mas como Deus existe, e contra-factos, não há argumentos, os relatórios reais, esses são mal-educados por não terem a decência de calarem-se: dizem que a saúde vai de mal a pior em Angola.

Mas quem liga para relatórios do próprio Governo Angolano, quando se tem discursos de gala em powerpoints com gráficos coloridos?

Entre uma morte e outra por cólera, há tempo para um brinde com espumante suíço, pela saúde, claro, nem que seja a deles, por isso, a malária, a cólera e tantas outras doenças que dizimam os Mwangolés, eles, não querem saber desta saúde, ahm, falta de saúde, por isso, em pompas nas passarelas de Genebra esbanjam os oito-paus.

O kota JLO, com esse gesto filantrópico digno de um Nobel do Altruísmo Financeiro, provou ao mundo que a generosidade angolana não conhece fronteiras, só conhece, talvez, um ligeiro problema de geolocalização: porque infelizmente confundiu o endereço dos doentes.

A Organização Mundial da Saúde – (OMS), agradece, mas os doentes angolanos continuam aflitos e estão a precisar da verdadeira esmola dos oito-bis.

No final das contas, a pergunta que fica no ar, junto com as bactérias da cólera: de que vale curar o resto do mundo, quando o nosso povo ainda morre por falta de soro?

Luanda aos 22 de Maio de 2025

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