Declaração Política do Grupo Parlamentar sobre o Dia de África

Política

No próximo domingo, 25 de Maio, comemorar-se-á o Dia da África. Sessenta e dois (62) anos depois da proclamação da Organização da Unidade Africana (OUA), hoje União Africana (UA), a África continua com os mesmos problemas. E, como dizia o Dr. Savimbi, em Julho de 1982:

“Nós conhecemos exactamente o que é a África actual, que se debate com debilidade das Instituições. Países membros da OUA não conseguem encontrar soluções para as dificuldades que enfrentam. Acusam os antigos colonialistas, mas o seu problema é a falta de direcção. Falta-lhes coragem e, sobretudo, vontade de lutar e realizar.”

Infelizmente, em pleno século XXI, a África vive uma crise profunda de liderança. Os africanos sonham e trabalham para uma independência total de África, traduzida não apenas no campo da soberania política, mas, também, na soberania económica, social e cultural, sem fechar-se ao movimento frenético e incontornável da globalização. O sonho do Pan-africanismo de Nkwame Nkrumah, Nasser, Senghor e outros desvaneceu-se no firmamento. E hoje a África clama por uma nova visão, uma nova forma de servir os seus países, os seus povos, as suas gentes, com princípios que priorizem a valorização e dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e justiça social.

Em Angola por exemplo, 50 anos depois do alcance da Independência, para festejar a efeméride, o Governo vai gastar mais de vinte milhões de dólares em viagens, alojamentos, seguros, prémios, segurança e outras despesas, com o objectivo de distrair o Povo com o jogo de futebol entre as selecções de Angola e da Argentina, enquanto milhares de crianças angolanas continuam a morrer todos os dias, vítimas da fome, cólera, malária, desnutrição, falta de água, saneamento básico e higiene. Os adultos, também, estão a morrer de fome, hipertensão, tumores, malária, doenças respiratórias, cancro e diabetes. Mais de 40% dos adultos morre de doenças cardiovasculares, por causa dos cоrаçõеs e vasos sanguíneos sufocados e desgastados pelos problemas da vida e pela má governação! O Governo vai deitar para os bolsos dos milionários milhões de dólares que fazem falta ao País, quando o mesmo Governo não tem dinheiro para combater a cólera, que já provocou mais de seiscentos óbitos. O mesmo Governo não paga desde Maio de 2024, há um ano, os empresários, seus fornecedores de bens serviços, com destaque para as unidades hospitalares em todo espaço nacional, instituições de ensino e outras. Está ainda com muita disponibilidade de apoiar outros países e instituições internacionais com milhões de dólares, enquanto se instala no país uma crise financeira e social sem precedentes. Quo vadis África nossa! Quo vadis nossa Angola!

Senhora Presidente,

Senhores Deputados,

Senhores Ministros,

O momento em que se discute a Conta Geral do Estado de 2023 é o ideal para reflectirmos sobre o Balanço Económico e Social do País.

Uma análise dos principais indicadores macroeconómicos do Relatório de Fundamentação sobre a mesma permite-nos aferir que os objectivos preconizados, a saber, continuidade do crescimento económico nacional, gestão prudente das finanças públicas, redução da pobreza e da exclusão social, a desoneração dos custos da cadeia de abastecimentos e desenvolvimento do capital humano, não foram atingidos.

A estrutura económica do País continua a ser limitada em termos de diversificação, por causa da sua dependência ao sector petrolífero. O resultado disso é a instabilidade macroeconómica, que trava o crescimento económico, eleva os níveis de pobreza, eleva o custo de vida das famílias, aumenta a fome e as desigualdades. No ano em análise, de acordo o Relatório do IV Trimestre do INE (Instituto Nacional de Estatística), a taxa de desemprego atingiu 31,9 % ( 5.456.291 cidadãos da população activa), colocando Angola como o terceiro país em Africa (115 países estudados) com taxa de desemprego mais elevada, de acordo com os dados do FMI (Fundo Monetário Internacional).

Quadro-1

Indicadores Macroeconómicos Exercício de 2023

Previsto Executado

Inflação Acumulada (%) 11.1% 20,01%

Produção de petrolífera (MBbl) 430,7 400,76

Produção de petróleo bruto (Milhões BOPD/dia) 1,18 1,098

Preço Médio do Petróleo (US$/Bbl) 75 82,32

Taxa de crescimento do PIB 3,3% 0,90%

Sector petrolífero 3,0% -2,40%

Sector não petrolífero 3,4% 2,00%

Taxa câmbio 459,8(22) 686,6

Peso da Dívida/Total Despesas 56,8%

Stock Dívida Pública/PIB 88%

Fonte: Conta Geral do Estado 2023

Em termos de execução de despesas por sectores de actividades, mais uma vez, verificou-se a inversão de prioridades, com o sector produtivo (motor do crescimento económico, criação de empregos, produtividade e competitividade) e o sector social (impulsionador da formação do capital humano para a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano), a merecerem baixas taxas de execução financeira, relativamente a sectores não produtivos. Este facto é mais notável ainda quando nos deparamos com o balanço de execução dos Programas e Projectos de Investimentos Públicos (PIP).

O balanço social do País é vergonhosamente negativo. A taxa bruta de natalidade situa-se nos 36%, ao passo que a taxa de mortalidade infantil está nos 56%. Não há futuro para cerca de 15 milhões de crianças e jovens entre os 0 e os 14 anos de idade. O índice de dependência dos jovens, segundo o INE, é de 85%, ao passo que o índice de dependência total de 17 milhões de angolanos, que constitui a população economicamente activa, é ainda maior, 90%!

A falta de água, de saneamento e higiene lideram as causas da mortalidade infantil, seguidas por complicações decorrentes de partos prematuros, distúrbios neonatais, infecções respiratórias, diarreia, malária e desnutrição. Desde 2020, o investimento público em infraestruturas de água, saneamento e higiene tem sido sempre inferior a 1% do PIB, todos os anos.

Isto significa, Senhores Ministros, que o Governo que Vossas Excelências integram tem sido insensível à morte prematura e dolorosa das crianças angolanas, menores de 5 anos de idade. Significa que o Governo que Vossas Excelências integram está a comprometer seriamente o futuro da Nação angolana e a sua Independência.

Como foi possível chegarmos ao fundo do poço nos últimos cinco anos? Como foi possível chegar ao estado actual de degradação política, económica e social?

Programas não faltam, promessas também não faltam. O que falta é governar com propósito e coração de servir, com empatia e com sensibilidade humana. O que falta é a capacidade de gerar empregos dignos, riqueza, prosperidade e felicidade para a maioria do Povo. Não basta olhar para os números executados, é preciso calcular os indicadores qualitativos, aqueles que tocam e impactam a vida das pessoas.

Por exemplo: o Programa de Desenvolvimento e Consolidação do Sector da Água teve, em 2023, uma taxa de execução de apenas 6%. O Programa de Protecção e Promoção dos Direitos da Criança teve uma taxa de execução de 0,1%. O Programa de Intensificação da Alfabetização e da Educação de Jovens e Adultos teve uma taxa de execução de 0,0%. O Programa de Combate às Grandes Endemias pela Abordagem das Determinantes da Saúde teve uma taxa de execução de 4,8%. A Política de Emprego e Condições de Trabalho, bem como o Programa de Melhoria da Organização e das Condições de Trabalhos tiveram uma taxa de execução de 0,0%.

Mas estes são apenas números, Senhores Deputados.

A realidade no terreno é mais dramática. Vinte e três (23) anos depois do fim da guerra, Angola tem apenas três médicos por cada 10 mil habitantes e dois centros médicos por cada 100 mil habitantes. Segundo as pesquisas, das crianças entre os 3 e os 5 anos de idade, apenas 23% andam na escola. Das crianças que deveriam estar a estudar entre a 7.ª e a 9.ª classes, apenas 27% estão matriculadas. E destas, mais de metade não tem livros, estudam sem livros! E dos que têm entre 15 e 18 anos de idade, apenas 29% vão à escola, supostamente para estudar matérias da 10.ª à 13.ª classes. Aí também, mais de metade estuda sem livros e vai à escola com fome.

Um número alarmante de crianças está a abandonar as escolas, para se dedicar a actividades como garimpo de ouro, agricultura e pasto em fazendas agrícolas. A falta de merenda escolar é apontada como a principal causa desse abandono, forçando os menores a buscar alternativas para ajudar nas despesas familiares.

Além disso, há famílias desesperadas que atiram seus filhos menores à prática de trabalho infantil ou à mendicidade e ainda mais grave, as meninas são atiradas para a prostituição pelas ruas das cidades, em todo o País e até nas ruas das cidades da Namíbia. Uma vergonha para Angola!

Senhores Deputados,

Já aprovámos várias Contas Gerais do Estado, já aprovamos muitas leis, mas sem resultados tangíveis, sem impacto positivo na vida da maioria das pessoas, das famílias e das empresas.

Podemos penalizar as famílias que aceitam os empregos para os menores, em troca de obtenção de renda para fugir da morte lenta?

E como penalizar as empresas estrangeiras, que exploram e escravizam crianças e adultos angolanos nas suas empresas e fazendas, 50 anos depois da independência?

Como diz o Povo, ‘o país está furado, os bolsos dos trabalhadores estão furados e os cofres das empresas também estão furados. Os Cofres do Estados também foram furados. As famílias estão desesperadas e as instituições da Administração Pública do Estado estão completamente descredibilizadas, pois o Executivo está sem soluções, está esgotado e cansado.

A crise social é maior que a crise financeira, e esta é maior que a crise institucional. E ela deve ser ultrapassada com urgência, nas suas múltiplas dimensões, como uma questão de segurança nacional.

Povo angolano,

O Balanço Social inerente à Conta Geral do Estado de 2023 revela também que o desinvestimento do Governo no sector social é a principal causa da pobreza multidimensional que assola o País, com maior incidência no interior. Os números revelam que Luanda é a única província que, albergando 27% da população do País, tem uma taxa de incidência de pobreza de apenas 24%. Excepto Cabinda, que tem 34%, e Bengo, com 62%, todas as outras províncias têm taxas de incidência da pobreza superiores a 70%.

DESINVESTIMENTO SOCIAL E DISCRIMINAÇÃO TERRITORIAL CAUSAM ASSIMETRIAS NA INCIDÊNCIA DA POBREZA MULTIDIMENSIONAL

Quadro-2

Província Distribuição da População Total

(%) Taxa de

Incidência da Pobreza (%)

Luanda 27% 24%

Bié 6 78

Uíge 6 74

Huambo 8 72

Lunda Norte 3 77

Cunene 4 73

Fonte: IPM2020, INE.

Não nos restam dúvidas de que esta crise social resultante, principalmente, das políticas públicas erradas e prioridades invertidas de quem governa e da sua insensibilidade humana, poderia ser mitigada com a concretização da descentralização político-administrativa prevista na Constituição. Ou seja, com a implementação efectiva das Autarquias Locais.

Não basta a desconcentração administrativa. É imperativa a descentralização política, porque só ela permite a gestão descentralizada dos recursos. Só as Autarquias Locais permitem que a maioria dos cidadãos do país, os que não estão filiados nem dependentes do Partido-Estado, sejam eleitos para administrar os assuntos públicos locais. Só a descentralização política permite a repartição efectiva dos recursos públicos entre o Estado e os cidadãos organizados nas suas Autarquias municipais.

O que se verifica hoje é a transferência dos recursos públicos entre o Estado e as empresas do Regime, no contexto institucional de divisão dos recursos do Estado entre certas famílias e figuras da elite governante, quando, na verdade, o que a Constituição manda fazer é partilhar os recursos públicos entre o Estado e todos os munícipes, através de suas Autarquias.

As autarquias são pequenos governos autónomos, cujos presidentes elaboram orçamentos autónomos que são aprovados e fiscalizados pelas Assembleias Legislativas Municipais para resolver os problemas locais de cada município. As autarquias locais serão os melhores modelos de governação para a consolidação do Orçamento Participativo, um verdadeiro casamento entre as prioridades dos cidadãos dos munícios e seus autarcas.

São estes governos territoriais, mais pequenos, que vão governar mesmo o País real. Não vão depender mais do Presidente da República, Titular do Poder Executivo, nem serão obrigados a adjudicar contratos públicos às empresas dos Ministros, dos Governadores e seus compadres. Serão mesmo autónomos. Aprovarão os seus programas, arrecadarão receitas próprias e prestarão contas ao Povo, nos próprios municípios. E não terão receio de serem fiscalizados, como acontece com o Executivo actual, que foge da fiscalização como o Diabo foge da cruz!

Angolanas e angolanos,

É só neste quadro de plena descentralização política e administrativa que os problemas da água, saneamento básico, higiene, saúde e educação serão resolvidos com eficácia, eficiência, transparência e melhor controlo.

Relativamente às propostas de Leis de alteração do Código dos Benefícios Fiscais, Código de Imposto Sobre Rendimento das Pessoas Colectivas e Código Tributário Aduaneiro, agendadas, entendemos que a reforma estrutural do sistema tributário angolano iniciada em 2011 é necessária no sentido de garantir mais controlo, transparência e racionalização. Porém, processos desse género devem ser planificados de forma tão consistente para que não sejam necessárias constantes alterações em curtos espaços de tempo. Entendemos a propensão do Estado em alargar a base tributária para arrecadar mais receitas. Mas insistimos em alertar sobre a política fiscal do Governo que, ao longo dos anos, não tem sido amiga dos empresários e muito menos das famílias angolanas, com rendimentos desgastados pelas taxas de inflação e câmbio elevadas.

No campo político da actualidade, durante o último trimestre, do ano em curso, o Regime que capturou o Estado manifestou por três vezes o seu desrespeito frontal aos direitos e liberdades fundamentais dos angolanos, à Soberania popular e à Constituição da República.

Primeiro, por apresentar propostas de alteração à Lei Eleitoral que ameaçam o exercício livre e justo do direito ao sufrágio universal, à transparência, à integridade e à credibilidade das eleições.

Segundo, por impedir a realização de um debate público sobre as referidas propostas, promovido pela Ordem dos Advogados de Angola. O Regime utilizou para o efeito três juízes, que subverteram os poderes conferidos pela Constituição, para servir os ditames da autocracia. O dinheiro do Povo que está à guarda do Governo não serve para coarctar direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.

A sociedade angolana já reagiu em massa contra o absurdo daquele embuste na forma de Acórdão.

Senhores Deputados,

Gostaríamos de realçar aqui, desta tribuna, em nome do Povo que representamos, o nosso repúdio àquela agressão frontal aos direitos fundamentais dos angolanos, um crime de violação da Constituição, que atenta gravemente contra o Estado Democrático de Direito e contra o regular funcionamento dos tribunais da República.

Terceiro, na província do Bengo, a Governadora Provincial orientou a dispersão pela Polícia de uma vigília pacífica, realizada no âmbito das festividades do Dia do Deputado do Grupo Parlamentar da UNITA, cujo balaço foi de 22 feridos, estando 1 (um) dos feridos entre a vida e a morte, num total desrespeito da Constituição e da lei.

Como foi possível chegar até este ponto de degradação do Estado de Direito, que é essencialmente um Estado de direitos?

Cinquenta anos (50) de Independência Nacional deveriam ser cinquenta anos de democracia, de boa governação, de justiça social e económica, de desenvolvimento sustentável, de transformação industrial, tecnológica e inovação, prosperidade, dignidade e felicidade.

Senhora Presidente,

Os angolanos estão cansados de sofrer e sabem o que precisam de fazer para acabar com o sofrimento. Os angolanos querem mudar de vida, eleger um novo Governo em que o Povo acredita e confia que vai governar melhor. E se não o fizer, os angolanos também irão mudar tal Governo, porque o direito de governar Angola pertence ao Povo angolano, e não aos governos a quem o Povo delega tais poderes por períodos de cinco anos.

Aqueles que governam em nome do Povo não podem utilizar os poderes delegados para subverter a vontade do Povo, nem para utilizar os recursos públicos para embriagar o Povo com maratonas, festanças opulentas, jogos ou outras alienações que em nada contribuem para a reduzir a mortalidade infantil, erradicar a fome e a miséria, as endemias da cólera e da malária, a que a má governação, a corrupção, a impunidade e o clientelismo de grupos submeteram os angolanos.

O Povo tem o direito de beneficiar do seu dinheiro que o Governo toma conta! O Povo está acima do Governo. O Governo não pode e não deve utilizar os bens do Povo nem subverter a Constituição e as leis só para continuar a exercer o poder pelo poder.

Angolanas e Angolanos,

A hora de mudar é agora! E juntos podemos!

Que Deus abençoe Angola e os angolanos.

Muito obrigada!

Luanda, 21 de Maio de 2025

Grupo Parlamentar da UNITA

 

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