O Burro do General

Rio Cunene

Das poucas memórias que guardo dos primeiros anos nas matas – antes de atingirmos o Katapi, bico de Angola, vindos da Região Militar 17 – é a do burro que nos salvou a vida na nhara do Kakene, nas áreas do Mawe, em direcção ao Alto-Kafuma, no Cuando-Cubango. Naqueles meses, decorria uma ofensiva militar contra os guerrilheiros de Jonas Savimbi. Os carrascos dessa operação eram as tropas de Marien Ngouabi, do Congo-Brazzaville, que, por algum tempo, apoiaram as FAPLA, o braço armado do MPLA.

Dizia-se que os soldados de Ngouabi não tinham piedade: matavam sem hesitação, não poupavam ninguém. Saqueavam, destruíam lavras, incendiavam aldeias e prosseguiam a sua missão sem qualquer remorso, colocando em prática a orientação do então Presidente da República Popular de Angola, Dr. António Agostinho Neto, segundo a qual: “Ao inimigo, nem um palmo de terra.”

E os guerrilheiros, tomados pela raiva e pelo desespero, rogavam pragas nas suas canções de guerra: «Marien Ngouabi wapalama we…» (Marien Ngouabi está amaldiçoado…).

Por incrível que pareça, coincidência ou não, as pragas resultaram: Marien Ngouabi foi assassinado no seu palácio, em Brazzaville, no dia 18 de Março de 1977. Pouco tempo depois, as tropas congolesas retiraram-se de Angola, para alívio das FALA, o braço armado da UNITA, que, na época, não estavam devidamente treinadas nem dispunham de equipamento militar adequado. A ajuda sul-africana era insignificante. A sobrevivência nas matas dependeu essencialmente do apoio do povo. Destaco o auxílio da Organização Nacional das Sentinelas do Povo (ONSP), coordenada durante vários anos pelo então Major Américo Valeriano Trigo. A ONSP, que depois passou a ser a Guarda Republicana, desempenhou um papel crucial na estratégia da guerra de movimento, alertando para os deslocamentos do inimigo e permitindo que as Bases recuassem a tempo para os pontos de recuo, evitando confrontos directos desvantajosos.

Num desses recuos, para fintar as FAPLA, fomos obrigados a fugir para áreas inóspitas. Não havia água. Mesmo as árvores que conservavam a água da chuva eram escassas. As poucas reservas serviam apenas para molhar a garganta. Uma simples tampinha de água não saciava ninguém.

A nossa salvação veio das mãos do General Kandjimi, na época, Major, que nos trouxe água com o seu burro, sem o qual muitos de nós teríamos sucumbido à sede.

Voltarei…

Luanda, 14 de Abril de 2025
Gerson Prata

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