Likuwa: O Coração dos Guerrilheiros de Savimbi

Jamba - Bastião da Resistência Angolana

Corria o ano de 1984 quando eu e o meu irmão mais velho, o Jo, fomos passar as férias grandes no Likuwa, na casa do então Coronel Bock, à época responsável máximo da Direcção-Geral de Logística de Guerra das Forças Armadas Patrióticas e Revolucionárias de Libertação de Angola – FALA. Naquele tempo, o Likuwa já se destacava como a segunda maior base da UNITA, ficando atrás apenas da Jamba.

Segundo o Coronel Kungo – ex-Director do Gabinete do Dr. Savimbi no Bailundo –, o nome Likuwa tem origem em José Likuwa, um exímio caçador, célebre pela sua precisão infalível com a sua FN: era tiro e queda. Alto e magro, natural do Cuando-Cubango, Likuwa servira também como intérprete do então Alferes Kungo, que chefiava o Paiol de Material de Guerra na faixa do Rito. Era desse paiol que as mamãs da LIMA (braço feminino da UNITA) e as manas da JURA (braço juvenil) transportavam, à cabeça, cunhetes e bombas de RPG-7 para as demais regiões.

Em 1979, José Likuwa montou um destacamento de caça algures na coutada do Lwenge. Com o tempo, a sua posição tornou-se um ponto de referência, e quem transitava pela zona era orientado a “passar pela posição de José Likuwa”. Aos poucos, a expressão foi-se encurtando até se resumir a “passar pelo Likuwa”. Assim nasceu o nome da principal base logística da UNITA, que ficava nas proximidades da posição do célebre caçador, concretamente aquém do rio Lwenge – um rio caudaloso, com correntes fortes em certos pontos e cercado por lonevã (caniços). Dizia-se que por lá havia jacarés e outros bichos.

Fiquei maravilhado com a beleza das suas águas cristalinas, onde peixinhos e caranguejos circulavam abundantemente. Outra atracção era ver o Tenente Sopa a cruzar o rio na sua bóia a motor, subindo e descendo a uma velocidade impressionante. Também via os nossos manos a mergulharem e a nadarem de barriga virada para cima. Era bonito!

Eu não sabia nadar, mas, um dia, resolvi aventurar-me. O que parecia uma simples brincadeira virou um susto: fui engolido pela correnteza e só me lembro de ser resgatado – nem sei por quem. Já tinha engolido bons goles de água, mas, felizmente, não aconteceu o pior. Quando chegámos a casa, a notícia já corria: “O Gerson quase se afogou!”. Recebi ralhetes da mãe Bia, que me proibiu de voltar ao rio por alguns dias.

Enquanto estava de castigo, passei o tempo a assistir aos ensaios dos militares, que entoavam cânticos quase todas as manhãs. Ensaiavam num descampado próximo da casa do Tenente Papy, ex-chefe dos seguranças do General Bock. Uma das canções, entoada com emoção, marcou-me profundamente. Narrava um episódio triste vivido por um batalhão das FALA nas áreas da vila de Lupiri, no Cuando-Cubango: ” Okutunda kolwi ko lomba… olofala vyatalelamo ohali yalwa… kolwi kupãla, enyona lyalwa… ava vavela, valikupukala, ava vakava, vatumalã posi,
okusokolola hati kovava etali katupitilã… olofala vyetu okumolã ovava,
vafetika okunya ko, vakwavo vayua…”

Em português: “Os soldados das FALA partiram do rio Lombo em direcção a outra área…
Pelo caminho, não havia água. A sede apertava.
Os doentes caíam exaustos. Os mais fracos sentavam-se no chão, temendo nunca mais encontrar água.
Quando finalmente chegaram ao rio, houve uma explosão de alegria: enquanto uns matavam a sede, outros mergulhavam. Após aquele momento de descanso e alívio, decidiram vingar-se do sofrimento e planejaram atacar a vila de Lupiri…”

Essa canção fazia-me reflectir. Imaginava as dificuldades que os nossos manos das FALA enfrentavam. Apesar de todas as adversidades, mantinham a força e o espírito combativo, encarando os desafios com determinação e, acima de tudo, disciplina e solidariedade.

O meu maior respeito aos combatentes da liberdade!

Voltarei …

Luanda, 28 de Março de 2025
Gerson Prata

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